27 março 2011

Ecos(sistema)

       Estava triste, pensando sobre as infelicidades de sua vida, quando avistou algo pequeno que se locomovia lentamente aos seus pés. Aproximou-se e viu que se tratava, na verdade, de uma formiguinha carregando uma enorme pétala rosa.
       Observou o modo como a coitada se esforçava para carregar a pétala, que tinha mais que o triplo de seu tamanho e, provavelmente, de seu peso. Pensou que um dos motivos de sua infelicidade era o excesso de trabalho, mas também pensou como a formiga fazia esse esforço danado e não reclamava, seguia em frente rumo ao formigueiro.
       A viu desviar de buracos, escalar pedras e avançar lentamente pelo gramado. Refletiu que todo aquele esforço da pobre formiguinha mal seria recompensado, pois ela provavelmente entregaria a pétala para seus superiores sem receber um obrigado, assim como ela não recebia e era escravizada no departamento em que trabalhava.
       A formiguinha atravessou, então, uma enorme poça que a impedia de chegar ao formigueiro, lágrimas correram pelo rosto, pois mesmo com todo esse sofrimeto a pétala ainda era arrastada. Mas por qual motivo? Nem direito ao amor a pobre formiguinha teria, era só uma operária destinada ao trabalho enquanto outros passavam o dia amando e sendo amados, levando uma vida de luxo como reis, sem precisar conferir projetos e redigir relatórios ou passar os fins de semana solitários assistindo comédias românticas e jantando miojo.
       Quando a formiguinha saiu da água, faltavam poucos centímetros para chegar ao formigueiro e alcançar o objetivo da missão. Percebia-se que a pétala estava mais pesada, pois carregava algumas gotículas da poça, e que o caminhar da formiguinha era mais lento e desesperado. Ela então se decidiu e apressadamente deu um pisão bem firme esmagando a formiguinha com pétala e tudo. Percebeu, naquele momento, que só havia um modo de livrá-la do sofrimento e da solidão interior que a consumia.


Isaac Ruy

25 março 2011

Fluxo VII

não estava com muita fome mas sentia necessidade de comer talvez fosse gula ou talvez fosse instinto ou ainda talvez o cheiro da comida que exalava no ar não resistiu tirou os anéis apertados da mão e começou roendo as unhas e cada pedacinho era deliciado e roído até o ponto de mordiscar pedaços de carne das pontas dos dedos e mordia cada vez mais raivosamente cada dedo e desfiava a pele e rasgava a carne e mastigava compulsivamente enquanto saliva e sangue escorriam pescoço abaixo e sugava as cartilagens entre os ossos pois agora sentia fome e a fome dominava a boca a língua os dentes e os atos e degustou a mão toda em poucos minutos e nervos e veias e músculos desciam pela garganta mas então pensou e achou melhor parar e guardar o restante do braço pois poderia sentir fome mais tarde e só restava um pequeno pedaço de pescoço e de fígado para o jantar

Isaac Ruy

19 março 2011

De faísca a carvão

faísca
é fogo
se pega
s'espalha
na palha
no teto
parede
tapete
entorta
derrete
chamusca
carpete
madeira
vasilha
consome'a
mobília
do quarto
da sala
despensa
banheiro
ta tud' a-
-cabado
enfeite
espelh' é
fumaça
é fogo
no rabo
no gato
inteiro
só sóbr' es
queleto
nem porta-
retrato
resiste
inteiro
caderno
sulfite
nem sombra
d' escrit' ou
desenho
nem roupa
sapat'ou
comid' e
bebida
'tá tudo
tostado
queimado
roído
'tá preto
'tá cinza
'tá tudo
fodido
nem foto
lembrança
remédi'ou
brinquedo
só resta
entulho
ruína
e medo
escada
tombada
E teto
no chão
o qu'era
seguro
agor' é
carvão

Isaac Ruy

11 março 2011

Comentário

a vida da gente é como um disco... as vezes acaba docemente, as vezes para de modo distorcido por conta de um simples e pequeno risco...

Ainda bem que hoje existe o mp3...

Só esperamos a bateria acabar.

Isaac Ruy

comentário que fiz em um dos meus contos e que achei engraçado... e, como não tive nenhuma outra ideia, publiquei!


09 março 2011

07 março 2011

O homem sem chapéu

       Da janela do sobrado observava o misterioso homem de chapéu passando pela rua.
       Dada a altura em que olhava, nada via do rosto, mas o andar tranquilo e seguro do homem de chapéu esbanjava charme e elegância, alimentando ainda mais a imaginação da menina.
       Passava sempre no mesmo horário e ela estava sempre enfeitada e debruçada no parapeito a esperá-lo. 
       Ela sempre de laço e fita.
       Ele sempre de chapéu.
       Depois de semanas a imaginar coisas e escrever palavras de amor no diário escondido, criou coragem e o esperou sentada em frente ao sobrado, na calçada, como quem não quer nada - queria muito ver de perto o homem que o chapéu escondia.
       De longe avistou o chapéu e preparou o melhor sorriso, além de arregalar bem os olhos para não perder um detalhe do amado.
       Ele também a viu e, ao passar em frente moça tão bela e sorridente, não se conteve e cumprimentou-a sorrindo - e tirando o chapéu.
       Ela, sem responder o aceno, emburrou-se e entrou porta adentro indo chorar sozinha debruçada na cama.
       O cabelo em desalinho e o laço no chão.
       Antes não tivesse descido.
Isaac Ruy 

 Quadros de René Magritte


06 março 2011

Perda

olhos fechados,
gritos abafados,
-a dor de uma perda não cura jamais - 
mas quem perde mais?
quem parte ou quem fica?

enquanto um suplica
outro pede paz...

Isaac Ruy

Música que compus para a trilha do espetáculo "As mortas de nossa ilha" em 2006.
Saudades do grupo e do espetáculo... aiai

 

Reportagem "Ouro da Casa"

 Série ‘Ouro da Casa’ investiga quais são os novos talentos literários
 Francine Moreno

‘A arte é uma coisa só, está interligada’

Quando foi lançado o concurso “Filhos da Terra”, em Fernandópolis, ninguém imaginava que um talento da literatura seria revelado. Isaac de Faria Ruy cursava a 2º série do ensino fundamental quando venceu o concurso com o poema “Se eu Fosse Pintor”, escrito no ano anterior. Incentivado pela professora da época, nunca mais parou. Anos depois, formado em Letras (português/italiano) na Unesp, Ruy, aos 22 anos, já venceu dois concursos de relativa expressão.

Levou para casa, em 2008 e 2009, a menção distinta no Prêmio Nosside Internacional de Poesia, único do gênero com alcance global. O prêmio, que baseia-se no plurilinguismo, com abertura a todas as línguas do mundo, premiou, respectivamente, os poemas “Antes de Ir ao Baile” e “Caso”. Rosalie Gallo y Sanches, secretária do Nosside para o Brasil e Países de Língua Portuguesa, destaca o desempenho de Ruy. “O prêmio representa o reconhecimento internacional que qualquer escritor brasileiro gostaria de ter. Isaac tem uma grande sensibilidade e merece ser conhecido.”

Nascido em 18 de novembro de 1988, atualmente Ruy cursa francês na Unesp e alimenta seu blog “Rabiscos Errantes” (www.rabiscoserrantes.blogspot.com) com poemas e crônicas, às vezes críticos, outras sarcásticos ou com uma boa pitada de humor. Cada texto vem acompanhado por uma figura, foto ou desenho. A inspiração do blog surgiu depois de ver algumas fotografias de sua avó, que, na época, já não lhe serviam muito, visto que pouco de sua memória sobrevivia ao Alzheimer. “Escrevi sobre um velhinho e sua amada”, disse.

Hoje, seu trabalho é focado em poesias, pequenos contos e uma nova linha da literatura chamada nanoconto. Desafio ao exercício de concisão, o nanoconto conta com, no máximo, 50 palavras. Paralelamente, Ruy faz parte da comissão editorial de uma revista literária da Unesp: a Terceira Imagem. Ele também tem um texto publicado em um folheto publicado no Concurso Cachoeirense de Sonetos, no Espírito Santo, e parte do seu blog está em processo para formatação de um livro.

A inspiração atual dos seus textos está seguindo uma linha: voltada para a velhice, esquecimento, nostalgia, fim da vida e reflexão. Ele explica que o entusiamo para escrever vem do dia a dia e da forma como as pessoas vivem e falam. Neste caso, é preciso pegar um guardanapo de papel ou criar uma música para, quando chegar em casa, escrever a ideia. “Às vezes, pego cadernos antigos e inovo os poemas.”

Na sua opinião, a literatura só não é mais requisitada por falta de apoio dos próprios moradores de Rio Preto. “Muitas vezes percebo um certo desdém dos leitores rio-pretenses. A biblioteca municipal, por exemplo, tem muitas obras de escritores da casa que ficam esquecidas nas prateleiras.” Por outro lado, ele percebe que há muitos profissionais na ativa e trabalhando em cima de textos bons. “A Revista Terceira Imagem, da Unesp, é um caminho. Incentivamos alunos e a comunidade a escrever.”

Além de escritor, Ruy ainda é professor de teatro no COC, de Rio Preto, e em uma escola estadual em Fernandópolis. Na sua cidade natal, tem uma companhia teatral chamada Vozes. Por aqui, atua como ator e produtor na Cia. Girasonhos. Seu espetáculo “Dooutrolado” foi selecionado para o Festival Internacional de Teatro (FIT). Também é desenhista e fotógrafo nas horas vagas. “A arte é uma coisa só. A literatura, o teatro e as artes visuais se interligam, servem de inspiração e incentivo.” O jovem talento afirma que tem vontade de publicar seus livros e ouvir a opinião dos leitores. “Retorno é sempre positivo”. 

Ver reportagem inteira AQUI!

Errata:
i) O poema do Nósside 2009 é "Ocaso" e não "Caso"
ii) A revista Literária da UNESP é "Terceira Margem" e não "Terceira Imagem"
iii) Dou aulas no COC Fernandópolis e não Rio Preto

A entrevista foi pelo celular, por isso os errinhos, mas adorei a matéria... leiam na íntegra! 

03 março 2011

Os três pontinhos...

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