O
mendigo, folheando o jornal, que lhe serviria de coberta, viu uma
notícia anunciando que a obra "A fonte", de Marcel
Duchamp, fora escolhida como a arte moderna mais influente da
história.
Perguntou
a uma mulher de óculos, sentada no ponto de ônibus, com cara de
professora, o que significava "influente". Ela não soube
explicar, ou não quis, mas o menino, que estava ao seu lado, retirou
um enorme livro da mochila e leu em voz alta, para que ele escutasse.
"Influente: que influi; que tem autoridade, prestígio; que
exerce influência sobre os demais".
O
mendigo voltou para o banco e, depois de muito observar a imagem do
"mictório assinado", que ilustrava a reportagem,
levantou-se e começou uma caminhada com passos firmes e destino
certo.
Influenciado
pela obra, pretendia assinar todos os mictórios e vasos sanitários
do banheiro público da praça.
No
caminho, já imaginava a quantos não "influenciaria" com
aquele gesto simples, mas artístico, de assinar o local onde os
homens urinam. Teria, desse modo, "prestígio, autoridade".
Chegando
ao banheiro, notou que já havia assinaturas por todo lado: paredes,
portas, chão, teto e até no espelho quebrado. De fato, não havia
nenhuma assinatura nos mictórios, mas naquele momento lhe pareceu
tão menor, insignificante e tolo assinar naquele lugar, que se
escondeu em uma das cabines e ficou ali, cabeça baixa e em silêncio,
sentindo-se envergonhado a pensar que aquele era, de fato, o lugar
mais apropriado para que assinasse.
Levantando-se
para sair, observou a quantidade de desenhos e frases escritas na
porta. Seria aquilo arte também? Provavelmente sim. Ao menos parecia
ter dado mais trabalho e ser mais artístico que a assinatura no
mictório.
Questionou-se,
refletiu e, depois de muito ler e observar a arte que o encarava,
sentou-se e, “influenciado” pelas pornografias descritas e
ilustradas na porta, masturbou-se ali mesmo.
Saiu
do banheiro, voltou para a praça, jogou a página da reportagem no
lixo, se cobriu com o restante do jornal e, feliz, refletiu que, de
fato, ele existia apenas para ser influenciado, não para influenciar
ninguém.
Isaac Ruy