07 dezembro 2011
Sociedade anônima
I
acordou no chão frio
com a boca amarga
e com a roupa suja
de vômito seco
pensou em quanto tempo
estava ali
mas deitou novamente
não importava
era só mais um dia
como qualquer outro
II
fumou o cigarro
sentado na privada
um vestígio de prazer
num dia difícil
para não desconfiarem
deu uma descarga
que levou junto
a bituca
e seus sonhos
de criança
III
aurora
juntou as latas de refrigerante
caixas de doces
garrafas de suco
embalagens de salgadinhos
amontoou no carrinho
e então fez sua primeira
e única
refeição do dia
crepúsculo
IV
penteou os cabelos
passou batom
rosa
sua cor preferida
colocou o vestido
rosa
seu preferido
e foi trocar sua infância
por dinheiro
na esquina mais próxima
V
passou o dia
na fila
gemendo
chorando
implorando uma chance
para aquela que
agora
dormia
no túmulo
de sua barriga
VI
noite de chuva
encontrou um canto seco
para deitar
se cobriu com o jornal
molhado
que estampava a notícia
da morte do amigo
queimado
os olhos abertos
também choviam
VII
atento
olhava a mãe e a criança
o modo como sorriam
o carinho que lhe era estranho
ausente
num ato de coragem
se aproximou
e levou a bolsa
para matar a fome
que lhe acariciava as entranhas
VIII
dividia o que tinha
com os amigos
naquela
noite
era uma lata
queimando crack
uma ponta de baseado
e um pouco de
tristeza
e abandono
IX
no semáforo
passava pelos carros
pedindo ajuda
por ser surdo-mudo
os motoristas
em solidariedade
se faziam
de cegos
protegidos pelos vidros fechados
e pelos óculos de sol
X
na calçada
as mãos
como pétalas
se abriam para pedir a esmola
os pés
cheios de feridas
espinhavam o olhar alheio
lhe garantiam a subsistência
e não saravam
graças a Deus
Isaac Ruy
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